O que são orientação sexual e identidade de gênero

Por Arnaldo Cheixas, disponível em Veja SP *



Tem sido cada dia mais confuso entender as denominações sob a sigla LGBTTT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros – já foi GLS, GLT, LGBT -; e há ainda LGBTI, LGBTQ e outras). Diferentemente do que muitos acham por pensar de maneira preconceituosa, isso não acontece porque a cada dia inventa-se uma categoria nova, mas sim porque a cada dia entende-se melhor a sexualidade humana. É assim que a ciência funciona e é assim que a sociedade se transforma.

O momento atual é de exploração da sexualidade humana sob novas perspectivas que contemplem as múltiplas formas de vivenciá-la. Nenhum cientista pode estabelecer verdades sobre a orientação ou a identidade sexual das pessoas. O que o cientista faz, na verdade, é buscar formas de compreender e expressar o que cada pessoa manifesta sobre si mesma. A arte faz o mesmo com um olhar e uma linguagem diferentes.

Se você quer entender o básico de sua própria sexualidade de acordo com a linguagem atual, vale a pena você refletir sobre quatro aspectos delineadores da sexualidade. A propósito, vejo que muitas pessoas recorrem ao dicionário para argumentar que esta ou aquela identidade de gênero ou que esta ou aquela orientação sexual não existe. Não pode haver maior demonstração de ignorância do que isso.

O dicionário não é anterior à linguagem e nem definidor da forma como a linguagem deve ser usada pela sociedade. O dicionário, pelo contrário, é o documento que registra a forma como a sociedade utiliza a linguagem em um determinado momento histórico e respeitando as peculiaridades geográficas do uso da linguagem. No que diz respeito a quem se identifica como pertencente ao coletivo intitulado LGBT, são essas pessoas quem mais devem definir como a linguagem relativa ao tema deve ser. Este processo está completamente em curso. Não devemos, portanto, gastar demasiada energia tentando definir o outro pelo nosso olhar.

Ao fazer essa reflexão sobre si fica mais fácil entender e aceitar as possibilidades que são diferentes da sua condição. Se ser como você é em relação à sexualidade não prejudica outras pessoas (e certamente não prejudica), não há porque querer controlar a sexualidade de quem é simplesmente diferente de você.

Os quatro aspectos delineadores da sexualidade são os seguintes: sexo, identidade de gênero, expressão de gênero e orientação sexual. Vejamos de que se trata. 

SEXO

É como cada pessoa é definida ao nascer. Os rótulos possíveis atualmente são mulher (ou fêmea ou sexo feminino), homem (ou macho ou sexo masculino) ou indivíduo intersexual, que são as pessoas que nascem com caracteres mesclados do sexo biológico masculino e do sexo biológico feminino.

Note-se que o que define o sexo não é o sexo biológico simplesmente mas sim a percepção compartilhada pela sociedade num determinado momento histórico e que se materializa no registro de nascimento elaborado pelo médico obstetra. Por mais que pareça que o sexo se define do ponto de vista biológico isso não é tão simples assim, justamente porque há variações nas combinações cromossômicas para além dos famosos xx e xy, variações morfológicas dos órgãos genitais masculinos e femininos, variações na estrutura das gônodas, variações endocrinológicas, além de variações morfológicas e funcionais em aspectos físicos (voz, pelos, formato de partes do corpo etc.).

Duas coisas são claras. Uma é que não foi você quem definiu o seu sexo quando você nasceu mas sim o obstetra, o cartório de registro e os seus pais. A outra é que não é óbvio definir o sexo de um indivíduo de forma binária (macho-fêmea) mesmo quando se parte das características biológicas. Ou seja, o sexo é uma definição construída socialmente e se altera ao longo do tempo.

IDENTIDADE DE GÊNERO

Esta sim é determinada pelo próprio indivíduo a partir da percepção que ele tem de si. Atualmente alguém pode afirmar sua identidade de gênero como feminina (mulher), masculina (homem), fluida (uma identidade mesclada entre o feminino e o masculino e, portanto, ainda assim binária) ou simplesmente não-binária (diz respeito às pessoas que não se sentem sua identidade contemplada dentro de uma classificação binária homem-mulher. Neste caso a identidade de gênero pode ser neutra, agênera, ambígua, queer, e ainda pode haver registros de outras).

A identidade de gênero não depende de forma alguma do sexo. Isso quer dizer que não interessa como os outros vêem você, não interessam seus órgãos genitais, não interessa se você fez ou não alguma cirurgia para adicionar ou retirar alguma parte de seu corpo etc.

O que talvez confunda as pessoas em relação à compreensão da identidade é o fato de haver subdivisões vinculadas à combinação da identidade com aspectos do sexo definido no nascimento ou percebido pelos outros ao longo do desenvolvimento. Essa observação é válida exclusivamente nos casos de identificação binária de gênero (feminino-masculino).

Dizemos que uma pessoa é cisgênero se o gênero da identidade que ela reivindica para si coincide com o sexo definido no seu nascimento. Já nos casos em que há uma discrepância entre o sexo e a identidade de gênero, dizemos que aquela é uma pessoa transgênero (ou transexual ou simplesmente trans). Desta forma há mulheres cisgênero (identidade de gênero feminina, sexo feminino), mulheres transgênero (identidade de gênero feminina, sexo masculino ou intersexual), homens cisgênero (identidade de gênero masculina, sexo masculino) e homens transgênero (identidade de gênero masculina, sexo feminino ou intersexual).

EXPRESSÃO DE GÊNERO

É simplesmente o conjunto de características de um indivíduo associadas ao gênero feminino e ao gênero masculino. Aqui entram a forma de se vestir, aspectos físicos, uso de acessórios e mesmo comportamentos. Fica evidente, portanto, que a expressão de gênero é uma classificação essencialmente binária e que também depende da cultura vigente na sociedade em determinado momento histórico.

Um exemplo é a saia. No Brasil ela é uma vestimenta vista como feminina e por isso raramente vemos uma pessoa com identidade de gênero masculina usando uma. Já na Escócia a saia é usada tanto por pessoas com identidade de gênero feminina como por pessoas com identidade de gênero masculina, caso em que é chamada de kilt.
Um detalhe interessante é que caracteres de expressão de gênero não guardam relação nem com a identidade de gênero da pessoa e nem com sua orientação sexual. Uma saia usada por um homem cisgênero não o define como mulher nem como homem e muito menos como homossexual ou heterossexual, seja na Escócia, seja no Brasil.

ORIENTAÇÃO SEXUAL

Trata-se simplesmente da atração sexual-afetiva-amorosa que uma pessoa sente por outra  baseada no sistema binário de classificação de gênero e definido a partir da identidade de gênero do próprio indivíduo. Basicamente uma pessoa pode ser definida como homossexual (sente atração por pessoas do mesmo gênero/sexo), heterossexual (sente atração por pessoas do gênero/sexo oposto), bissexual (sente atração tanto por pessoas do mesmo gênero/sexo quanto por pessoas do gênero/sexo oposto), pansexual (sua atração sexual não depende do gênero/sexo binário) e assexual (pessoas que não sentem atração por pessoas de nenhum gênero/sexo).

Há quem defenda que não deveríamos classificar as pessoas de acordo com sua orientação sexual. Esta é uma ideia que parece interessante uma vez que, a rigor, a chamada orientação sexual de uma pessoa não é importante para absolutamente nada. Para um casal qualquer só interessa saber que há atração mútua entre seus membros. Ainda assim, por conta do ainda significativo preconceito que tem efeito excludente e promotor de violência sobre parte da população em função de sua sexualidade (sexo, identidade de gênero, expressão de gênero e orientação sexual), a classificação segue tendo papel relevante.

Mas, apenas para que se tenha uma ideia, vejamos como a classificação permite a identificação de uma diversidade de orientações sexuais. Eu identifico pelo menos 50 (cinquenta!!!) orientações sexuais diferentes quando consideramos (e necessariamente temos de fazê-lo) o conceito de identidade de gênero. Sei que alguns teóricos e grupos militantes podem criticar essa classificação e talvez nem seja adequado mesmo adotá-la, mas, como o desejo sexual só pode ser expresso por cada pessoa de forma inalienável, é possível sim que a atração sexual de um indivíduo seja dirigida para combinações bastante específicas de identidade de gênero.

Aqui estão as orientações sexuais identificáveis em função da categorização por gênero que fazemos. Será que você se encaixa em uma delas?

Como se vê estamos aprendendo a entender nossa sexualidade em um nível novo, inclusivo. Pode ser que daqui um tempo possamos prescindir desses agrupamentos por vivenciarmos a sexualidade com maior liberdade, sem preconceito e sem que a sexualidade seja objeto de controle por parte da sociedade.

Hoje o desafio para a sociedade é produzir ações inclusivas que não criminalizem nem excluam da sociedade pessoas que vivenciam sua sexualidade de um modo fora da norma. O fato é que não deveria haver norma.


No plano individual, é importante que cada um respeite a diversidade. A sexualidade do outro merece os mesmos respeito, segurança e liberdade que a sua. Discursos e ações moralistas só demonstram quão atrasados estamos como sociedade e só tornam nossas vidas cada vez mais tristes. Não tenha medo da diferença. Tenha medo do ódio e do preconceito, mesmo que seja o seu.



*Copiei para cá, já que vários textos ótimos que encontro simplesmente desaparecem de seus sites após um tempo

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