Relacionamentos Descartáveis

Alguém já parou para pensar porque estamos tão sozinhos, ainda que tão conectados? Por que um desconhecido pode levar um adolescente ao suicídio (no jogo Baleia Azul, por exemplo) ou um aplicativo de inteligência virtual como o Simsimi pode transtornar seriamente crianças e adolescentes? Por que o número (e a porcentagem com relação á população total) de suicídios só aumenta?

Percebe-se que estamos cada vez mais condicionados a descartar amizades e relacionamentos, assim como descartamos objetos?

Omri Gillath, autor de uma pesquisa sobre o tema, realizada na Universidade de Kansas, defende que há uma correlação entre a maneira que as pessoas lidam com objetos com a maneira pela qual elas lutam pelos seus relacionamentos. Essa correlação ocorre de maneira inconsciente. Gillath chama o que ocorre hoje de “relational disposability” (relações descartáveis).

Essa atitude, normalmente encontrada em pessoas que se mudam muito de lar e cidade e, por isso, acabam perdendo contato com velhas amizades, tem se tornado extremamente comum nas últimas gerações por outros motivos. Estas novas pessoas já nascem na era do descartável, pouco duradouro e facilmente substituível (diferente de como era há pouco mais de 30 anos atrás); e, isso se aplica às relações, especialmente também pela facilidade que a Internet nos dá de conhecer novas pessoas, bem como de descartá-las.

Amizade, numa rede social, é bem diferente do antigo conceito de amizade que se constrói com tempo e confiança e na qual a pessoa é especial por SER quem ela é (e é aceita e amada do jeito que é). Para ser amigo, hoje, basta um clique; a partir dele, as pessoas já passam a conversar com grande intimidade, transferências psicológicas e a impressão de que já se conhecem muito bem, já que sua vida social está super exposta. Rompe-se tal amizade com um simples clique assim que alguma expectativa não é atendida: a opinião política do outro é diferente, algum “defeito” é notado no outro...

Não se quer ter trabalho, claro. Na verdade nem se sabe (aprende) como ter esse trabalho: como pedir desculpas, o que temos que assumir em nós mesmos para tal, de que precisamos abrir mão, como dialogar, como negociar, como ouvir e compreender.

A oferta é grande demais. Observei, em um setor onde trabalhei, com um chefe que beirava a psicopatia (comportava-se como se o universo só existisse para girar em torno dele, era vingativo, adorava sua horda de bajuladores...), e onde havia uma facilidade imensa de conseguir novos funcionários, que, por conta disso, ninguém era valorizado, jamais ocorria qualquer elogio e ao primeiro erro ou desagrado uma pessoa era trocada por outra. O “ser verdadeiro” ou boas intenções jamais importavam naquele local, sequer eram notados.

... Lembrando que as melhores e mais prósperas empresas são as que valorizam seus funcionários, treinam-nos, dedicam-se a melhorá-los em suas falhas e estimulá-los em seus pontos fortes. Mas isso não é muito o feitio dos que lucram por fora e precisam esbanjar poder sob os outros...

O filósofo Professor Maro acrescenta que a superficialidade das relações deve-se ao fato de ter o outro como mero “meio” de satisfação imediata de seus desejos, tal como se têm os objetos, não importando as consequências disso.

Para o psiquiatra Ivan Capelatto, as pessoas não mais se reconhecem importantes no grupo, já que hoje não fazem mais parte de seu ambiente familiar, figurando como um anexo dele. Elas não são levadas a contribuir com o meio com seu trabalho e não mais participam de rituais em família, elas apenas recebem, dessa família, a possibilidade de terem celular, manter-se numa escola, alimentar-se, sobreviver, mas não notam que fazem alguma diferença ao grupo. O contato (carinho) de pessoas especiais também diminuiu muito devido às exigências do mercado de trabalho e às novas configurações familiares. Assim, esse carinho é terceirizado a indivíduos frequentemente substituídos: baba, professores, colegas, faxineira, etc.

Por viver numa sociedade em que muitos têm seguido o padrão aqui exposto, as pessoas mais novas não aprendem a estar realmente com as outras. Elas ficam apenas consigo mesmas, muitas vezes em seus celulares, falando com milhares de outras ao mesmo tempo, mas não estando verdadeiramente com ninguém.

Uma vez saí com uma “amiga” de infância e ela não parou de tirar fotos. Eu não a senti comigo. Não senti que estivemos juntas. Foi um encontro vazio e com fotos lindas de legendas “amigas para sempre” e por aí vai... Carinho virtual. Talvez algumas pessoas não saibam dar carinho real. Desaprenderam ou nunca aprenderam. E realmente qualquer um envia corações e sorrisos (emoticons) para qualquer um. É como a pessoa que digita “kkkk” numa mensagem, mas nem sequer está sorrindo.


Mario S. Cortella sugere que devido ao novo estilo de vida: fast food, descartáveis, micro-ondas etc; ninguém mais é condicionado a construir algo com paciência e, muito menos, se esforçar para mantê-lo. Isso não é mais mostrado em casa, já que a maioria dos pais de hoje não têm tempo e, quando têm, estão muito cansados ou não desgrudam do celular, da TV ou do tablet. Ninguém nasce sabendo como se relacionar. É preciso aprender. E aprende-se, principalmente, com os exemplos recebidos.

Assim, os mais velhos comentam que as relações atuais partem direto para o sexo. Claro. Não temos aprendido a fazer nada diferente, tal como conviver. Estamos meio que no automático. 

Abaixo, coloco um vídeo simples sobre o assunto, e sugiro aos interessados buscarem por ele, tratado mais profundamente pelos pensadores: historiador Leandro Karnal, Psicanalista Ivan Capelatto e psicanalista infantil Maria Rita Kehl.




Leituras e vídeos sugeridos: as dos links deste texto e:

- Palestra Baleia Azul, de Ivan Capelatto.

-Livro sobre como se relacionar melhor com família, amigos, colegas de trabalho... consigo mesmo, da psicóloga Lourdes Possatto.




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